Nossa identidade nasce da emoção: por que o racional vem depois

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Quando pensamos em identidade, geralmente associamos essa ideia à razão: à capacidade de refletir, escolher, decidir. No entanto, essa visão é limitada. Segundo a psicologia do desenvolvimento, especialmente na visão do pediatra e psicanalista Donald Winnicott, a identidade do ser humano não nasce da razão, mas da emoção. O bebê, ao nascer, não tem uma mente racional estruturada. Ele está mergulhado em um mundo de sensações corporais e afetivas, onde sua sobrevivência depende do contato com a mãe ou com o cuidador principal.

Nos primeiros anos de vida, o que forma a identidade não é a capacidade de pensar, mas a capacidade de sentir e de se vincular. O bebê registra, de forma inconsciente, emoções, toques, ritmos, olhares e presenças. Essas experiências formam as bases de quem ele é. Só mais tarde, com cerca de três anos, é que a razão começa a se estruturar, apoiada nessas vivências primárias. Sem um ambiente afetivamente estável e suficientemente bom, o pensamento pode se tornar uma forma de defesa ou distanciamento da realidade emocional interna.

Compreender isso muda tudo. Em vez de exigir que uma criança “seja racional” desde cedo, precisamos garantir que ela seja acolhida emocionalmente. É na relação com o outro, especialmente nos primeiros três anos de vida, que ela vai construindo sua identidade e, a partir disso, desenvolvendo sua capacidade de pensar com autonomia.

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Uma mãe comunica ao bebê tanto ternura, afeto e segurança, quanto insegurança e medo.

Antes da razão, existe a emoção: a base invisível que sustenta o desenvolvimento humano.

Vivemos em uma cultura que valoriza excessivamente o pensamento lógico e a razão. Desde cedo, estimulamos as crianças a aprenderem letras, números, cores e a “se comportarem” de forma racional. No entanto, o que poucos percebem é que essa pressão para que a mente racional se desenvolva rapidamente pode ser prejudicial, se desconsiderarmos o que vem antes dela: a formação emocional e a organização afetiva do self.

Winnicott nos ensina que, nos primeiros meses de vida, a criança vive em um estado de dependência absoluta. Ela não tem noção de si como um ser separado do mundo. A mãe, ou o cuidador, funciona como um “ambiente”. E é nesse ambiente que o bebê vai vivenciando experiências que serão registradas como memórias emocionais.

Essas memórias emocionais formam o alicerce da personalidade. Elas determinam se a criança se sentirá segura para explorar o mundo, ou se viverá em constante estado de alerta e medo. Quando essa base é instável, a mente racional pode se desenvolver como uma espécie de defesa psíquica: uma tentativa de controlar o caos interno.

A identidade que nasce apenas da razão é frágil. Por isso, muitas pessoas vivem desconectadas de si mesmas, agindo conforme expectativas externas, mas sem um sentido verdadeiro. A identidade real, autêntica, só pode emergir quando a base emocional foi respeitada e cuidada.

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A criança que cresce em um ambiente seguro, torna-se um adulto seguro de si e do mundo.

Para que a razão floresça, é preciso primeiro um solo afetivo seguro.

A solução proposta por Winnicott é simples e, ao mesmo tempo, profundamente humana: para que a razão floresça de forma saudável, é preciso primeiro garantir um ambiente emocionalmente confiável. Isso significa que o bebê precisa de um cuidador que esteja emocionalmente presente, sintonizado com suas necessidades, capaz de responder de forma suficientemente boa às suas demandas.

Não se trata de perfeição, mas de constância. O bebê precisa sentir que suas emoções fazem sentido para o outro. Que seu choro é ouvido, que sua fome é acolhida, que sua dor é reconhecida. Ao viver isso repetidas vezes, ele começa a formar uma imagem de si mesmo como alguém que vale a pena, que merece cuidado e que pode confiar.

Esse sentimento de segurança é a base para o surgimento do pensamento. Quando o bebê se sente seguro o suficiente, ele pode se permitir fantasiar, brincar, imaginar. E é a partir da brincadeira que a mente começa a se organizar, que o pensamento simbólico se estrutura, e que a razão, finalmente, aparece de forma espontânea.

As memórias emocionais primitivas, portanto, não são um obstáculo para a razão, mas sua base. Elas são como o solo onde a mente racional irá se apoiar para crescer. Sem elas, o pensar se torna desconectado, frio, mecânico.

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A criança que cresce em um ambiente seguro desenvolve um eu racional forte e seguro.

Conclusão

A identidade humana não nasce do pensamento, mas da vivência afetiva. A razão é importante, mas ela só pode florescer quando encontra uma base emocional segura, construída desde os primeiros momentos de vida. As memórias primitivas, mesmo sem linguagem ou consciência, moldam profundamente a forma como nos percebemos e como percebemos o mundo.

Por isso, o cuidado emocional nos primeiros anos de vida não é apenas um gesto de amor, mas uma verdadeira construção da identidade. Quem compreende isso, entende que a saúde mental, a criatividade, a empatia e a autonomia têm raízes muito antes da alfabetização: elas começam no colo, no toque, no olhar e na presença.

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