Uma das frases mais emblemáticas da Paixão é quando Jesus, no auge da dor, grita: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27,46).

Muitas pessoas têm dificuldade em compreender por que Jesus soltou esse grito. Mas trata-se de uma expressão profunda de dor, dor do corpo, da alma, da psique e do espírito. Jesus sofreu a mais terrível dor que um ser humano poderia experimentar.
Sua dor humana foi tão intensa que até sua dimensão espiritual, natureza divina, se viu profundamente abalada. Humanamente falando, pode ser difícil entender, mas temos o testemunho de diversos santos, santas e místicos que também passaram pela experiência do abandono de Deus, um sentimento de total vulnerabilidade diante da dor física e emocional.
Quando entramos em uma dor profunda, intensa, que causa um estresse extremo na alma, nossa psique tende a focar unicamente nessa dor. Ela ocupa tudo. A dor nos consome de tal forma que só conseguimos sentir… a própria dor. Isso é profundamente humano e também cientificamente comprovado.
Segundo a neurociência, experiências de dor física e emocional ativam as mesmas regiões cerebrais, especialmente o córtex cingulado anterior, o córtex pré-frontal e a amígdala cerebral. Esses centros estão diretamente envolvidos no processamento da dor, no controle emocional e nas reações ao estresse. Quando alguém está sob um sofrimento extremo, como o que Jesus experimentou na cruz, há uma sobrecarga nessas áreas, e o cérebro entra em um modo de “hiperfoco” na dor, diminuindo a capacidade de percepção de outras realidades.
A dor de Jesus foi tão intensa que o levou ao estado de hiperfoco, um fenômeno reconhecido pela neurociência em situações de sofrimento extremo. Quando a pessoa entra nesse estado, toda a sua atenção psíquica é capturada pela dor. O cérebro reduz drasticamente sua capacidade de processar outros estímulos, emocionais, espirituais ou racionais. A dor se torna a única realidade possível. Não há espaço para lógica, reflexão ou mesmo consolo. A pessoa não pensa: ela sente. E sente apenas a dor, em sua forma mais crua e profunda.
Jesus passou por essa experiência. Sua dor foi física, emocional e espiritual e, sobretudo, humana. Mesmo sendo Deus, Ele assumiu plenamente a condição humana e experimentou o sofrimento como qualquer um de nós. Sua divindade não o isentou da dor, mas permitiu que Ele, sendo Deus, sofresse como um de nós. Naquele momento, a humanidade de Jesus se conecta profundamente com as dores da humanidade. O grito na cruz “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Não foi um gesto de desespero, mas a expressão mais genuína da condição humana ferida, angustiada e, muitas vezes, aparentemente esquecida. Jesus grita por todos os que já gritaram em silêncio, por todos os que se sentiram sozinhos no vale da dor.
Esse grito revela que, quando a dor nos consome, podemos estar vivendo uma comunhão invisível com Cristo. Ele esteve lá. Ele sabe o que é se sentir abandonado. Ele conhece a dor do corpo, o colapso da psique e o silêncio do espírito. E é justamente nesse lugar onde tudo parece perdido que a esperança começa a nascer: porque Deus passou por ali antes de nós. Ele não nos promete ausência de sofrimento, mas presença amorosa dentro dele. A cruz é o ponto de encontro entre a dor humana e o amor divino.
A psicologia do trauma também explica que, em situações de dor intensa e prolongada, o ser humano pode entrar em um estado de colapso psíquico temporário, no qual se perde a noção de conexão, segurança e até mesmo a presença de Deus. Esse colapso é acompanhado por sentimentos de solidão, abandono e desamparo. O grito de Jesus, “Meu Deus, por que me abandonaste?”, é, portanto, a manifestação mais profunda e honesta do que significa ser humano diante do sofrimento.
A dor de Jesus não foi apenas simbólica, mas real e total, física, emocional e espiritual. Ele experimentou o pico do sofrimento humano, tanto do ponto de vista espiritual quanto do ponto de vista neuropsicológico. Essa experiência de Jesus na cruz também encontra eco no que psicólogos chamam de experiência do vazio existencial: um momento em que a alma sente que tudo perdeu o sentido, e a presença de Deus parece ausente.
Mas é exatamente nesse ponto de ruptura que a fé cristã revela o maior mistério: Deus está presente, mesmo quando não O sentimos. O grito de Jesus não é sinal de falta de fé, mas da sua humanidade radical. É a oração de quem se sente no fundo do poço, mas ainda assim dirige sua dor ao Pai.
Esse grito, à luz da neurociência e da psicologia, torna-se um ponto de encontro entre ciência e fé: um reconhecimento de que a dor pode ser avassaladora, que a sensação de abandono é real, mas que isso também faz parte da condição humana, uma condição que o próprio Deus, em Jesus, assumiu por amor a nós.
No grito de Jesus está o grito de todas as pessoas que se encontram vivendo em um vale de lágrimas. É o eco das dores silenciosas, dos sofrimentos escondidos, das noites em que a alma grita sem som. Quando Jesus clama na cruz, Ele dá voz à dor de todos que já se sentiram abandonados, sozinhos, mergulhados em angústias que parecem não ter fim. Seu grito é solidário, é humano, é divino e nos lembra que, mesmo no mais profundo vale da dor, não estamos sós. Cristo está ali, conosco, gritando junto.
Por ter vivido a nossa dor, Ele entende a nossa dor. Jesus não observa nosso sofrimento de longe; Ele o conhece por dentro, porque passou por ele. Sentiu na pele o peso do abandono, a angústia da alma, a dor física insuportável. Por isso, quando sofremos, podemos olhar para a cruz e encontrar ali um Deus que não nos julga por sentir dor, mas que nos acolhe nela — porque já esteve exatamente onde estamos.
O grito de Jesus na cruz é um grito humano de dor — de um homem envolto na mais terrível angústia e dor e não uma demonstração de falta de fé.
Ele fez por nós,,,pena que nem todos dão valor..