O grito de Jesus na cruz é um grito humano de dor.

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O grito de Jesus na cruz é um grito humano de dor — de um homem envolto na mais terrível angústia e não uma demonstração de falta de fé.

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O grito de Jesus na cruz é um grito humano de dor.

Pelo contrário, é justamente por sua profunda união com o Pai que esse grito se torna tão impactante. Jesus, o Filho de Deus, plenamente humano, chega ao limite da dor que um ser humano pode suportar. Seu grito não nega a fé, mas revela a intensidade do sofrimento humano quando, mesmo crendo, não se compreende o silêncio de Deus.

Esse grito mostra que a fé verdadeira não está isenta da dor, da dúvida ou da sensação de abandono. Jesus, naquele momento, representa toda a humanidade ferida, carregando não apenas o peso físico da cruz, mas o peso de toda a solidão humana. Ele nos ensina que até mesmo no aparente silêncio de Deus, há espaço para o clamor, para a expressão sincera da dor, e que isso também é parte da espiritualidade autêntica. Ele não deixou de crer — Ele gritou porque cria, porque sabia para quem estava gritando. Isso é fé em sua forma mais crua, mais viva e mais real.

Através da neurociência, podemos compreender melhor o funcionamento biológico e neurológico do ser humano, permitindo uma visão mais integrada e profunda do ser humano em sua totalidade. Quando uma pessoa passa por uma dor intensa, seja ela física ou emocional, o sistema nervoso tende a focar unicamente nessa dor. Entramos, então, em um estado de hiperfoco, no qual toda a nossa atenção e energia psíquica se voltam para a experiência dolorosa. Essa reação afeta diretamente o nosso emocional, ativando o sistema de sobrevivência do cérebro, especialmente as regiões associadas ao medo, ao estresse e ao instinto de preservação, como a amígdala e o hipotálamo.

Nesse estado, o corpo entra em alerta máximo, e o funcionamento racional começa a se desligar. O cérebro racional (neocórtex) perde espaço para o cérebro emocional (sistema límbico), e o indivíduo passa a reagir de forma puramente emocional. Não há mais espaço para lógica, reflexão ou entendimento — o corpo e a mente estão tomados por um único objetivo: sobreviver.

Quando a dor atinge esse nível de intensidade, ela deixa de ser sentida apenas no corpo físico. É como se houvesse uma anestesia gerada pelo excesso de dor. O sistema nervoso, ao ser sobrecarregado, bloqueia certas percepções físicas, e o sofrimento se torna quase exclusivamente emocional e psíquico. Esse fenômeno nos ajuda a entender, inclusive, o grito de Jesus na cruz: um grito humano, legítimo, vindo de alguém que estava vivendo a totalidade da dor em todas as suas dimensões, física, emocional e espiritual.

Quando estamos atravessando a dor, nosso sistema se concentra exclusivamente nela. A dor é, talvez, a experiência mais visceral e profundamente humana que podemos viver. Quando estamos imersos em nossa humanidade ferida, em um estado emocional intenso, não conseguimos raciocinar sobre a fé ou acessar a espiritualidade com clareza. Isso acontece porque nossa emoção está aprisionada na dor. A dimensão espiritual, para ser acessada, muitas vezes precisa do apoio do racional, do nosso consciente ativo. Ela opera, em muitos casos, por meio de uma lógica, de uma percepção de sentido, até mesmo de respostas imediatas. Mas, na dor extrema, tudo isso desaparece. Não há lógica, não há clareza, não há compreensão, só existe a dor.

Nesse estado, não conseguimos focar em mais nada. Nosso sistema não busca explicações, significados ou revelações espirituais, ele busca, apenas, manter-nos vivos. Entramos em um modo de sobrevivência. A dor nos leva a um estado puramente emocional, uma condição humana essencial e instintiva. É o que os neurocientistas chamam de “cérebro de sobrevivência” em ação, onde o racional é temporariamente desligado para que todas as forças do organismo se concentrem na autodefesa. Nesses momentos, o sofrimento é tão intenso que nos impede de acessar qualquer outra dimensão da vida. Estamos inteiros, profundamente, na dor e isso também é humano.

O que Jesus viveu na cruz, mesmo sendo Deus, foi a sua humanidade em sua forma mais intensa, mais profunda e mais vulnerável. Naquele momento, Ele não se apoiou em seus atributos divinos para suavizar o sofrimento, mas escolheu experimentar plenamente a dor humana, física, emocional e espiritual, sem qualquer anestesia divina. Ele sentiu o abandono, a angústia, o medo, o esgotamento, a solidão e o limite extremo da dor. Essa escolha revela uma verdade poderosa: Jesus não apenas se fez homem, mas mergulhou nas profundezas da condição humana. Ele assumiu a carne com todas as suas fragilidades, para que ninguém jamais dissesse: “Deus não sabe o que é sofrer.” Na cruz, Ele se solidarizou com todos os que se sentem quebrados, esgotados, à beira da morte emocional e espiritual. Ao viver a humanidade em sua intensidade mais crua, Jesus redimiu a dor humana a partir de dentro, mostrando que até o maior dos sofrimentos pode ser habitado por um amor que salva.

É fundamental compreender, com clareza teológica e também com sensibilidade humana, que Jesus é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Ele não é meio Deus e meio homem, nem Deus fingindo ser homem, mas plenamente Deus e plenamente homem em uma só pessoa. Esse é o grande mistério da encarnação. Quando olhamos para a cruz, vemos o sofrimento real de um homem que sangra, que grita, que sente abandono, que chora, que morre. Mas esse homem é Deus. E aqui está o ponto essencial: não podemos separar suas duas naturezas como se elas fossem compartimentos isolados. O sofrimento que Ele viveu na cruz, embora tenha se manifestado de forma humana, no corpo ferido, na emoção dilacerada, no grito de abandono, não foi apenas da humanidade de Cristo. A divindade também sofreu, porque o Verbo encarnado não é um ser dividido, mas uma unidade inseparável.

Assim como nós não podemos sofrer fisicamente sem que nossa mente e nosso espírito também sejam afetados, Jesus também não sofreu de maneira fragmentada. Quando Ele sente a dor dos cravos, não é apenas o seu corpo que reage, mas todo o seu ser, Deus que se fez carne está ali, sofrendo com e por nós. É um erro teológico e existencial querer separar as naturezas de Cristo na hora da dor. A cruz não foi um teatro divino; foi o ponto mais profundo de solidariedade de Deus com a dor humana. E se Deus sofreu em Cristo, então a dor humana nunca mais estará sozinha. Ele entrou na experiência humana por inteiro, para redimi-la por inteiro. Essa verdade nos toca profundamente, porque ela nos diz que em nossas dores mais intensas, Deus não está distante — Ele já esteve lá.

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