
Sentir o abandono de Deus é uma travessia silenciosa pela noite mais escura da alma. É como caminhar em um deserto sem horizonte, onde a sede é mais da alma do que do corpo, e a ausência parece mais real do que qualquer presença. Não se trata de uma negação de Deus, mas de uma experiência tão profunda que as palavras se tornam pequenas diante do que se sente. É um grito que não encontra eco, um coração que bate entre ruínas, uma alma despida de respostas.
No auge da dor, tudo em nós se retrai. Não conseguimos pensar, rezar, nem mesmo esperar. Só conseguimos sentir. E o que sentimos é uma dor que não se explica, não se encaixa em doutrinas ou discursos. A dor é selvagem, crua, atravessa as barreiras da razão e toma conta do corpo, da alma e do espírito. Não há espaço para consolo, porque nada consola nesse lugar. É um exílio interno, onde nem mesmo as promessas de fé parecem nos alcançar.
É um mergulho na dor, na própria tristeza intensa e profunda da existência. É como se você estivesse sozinho em um quarto escuro, sem janelas e sem portas. Ali, só existe a dor — e você, mergulhado nela. Você sente. Você chora. Você grita tentando aliviar o que pesa, mas quanto mais força faz, mais parece que a dor aumenta. Onde está Deus? Eu não sei. Mas a única certeza que tenho nesse momento é que Ele não está comigo. E parece não se importar com a minha dor, com a minha tristeza, com a minha solidão. Isso faz com que o sentimento de abandono se intensifique ainda mais.
Estar mergulhado na dor é estar suspenso no tempo. As horas não passam, os dias não contam, e a luz do mundo parece ter sido apagada. O coração clama, mas o céu parece mudo. O silêncio de Deus é ensurdecedor. É como se Ele estivesse ali… e ao mesmo tempo, não estivesse. A alma experimenta esse paradoxo: deseja Deus com todas as suas forças, mas não consegue percebê-Lo. E esse não perceber machuca mais do que qualquer ausência humana.
O sentimento de abandono espiritual é um dos mais profundos que alguém pode vivenciar. É mais do que tristeza, é mais do que medo. É um estado de vulnerabilidade tão agudo que tudo em nós parece se quebrar. É como estar caindo em um abismo onde não se vê fundo nem fim. A dor se torna o único chão e, ainda assim, é um chão que não sustenta. E o mais inquietante é que essa dor muitas vezes vem acompanhada da sensação de rejeição, como se nem mesmo Deus nos quisesse por perto.
A dor que vivenciamos nessa hora é uma dor da alma, uma dor que brota das entranhas do nosso ser. Você só sente dor. Só sente tristeza. E está ali… sozinho. Ninguém para acolher, ninguém para abraçar. Isso gera revolta, indignação. Você pergunta, você questiona — cadê todo mundo? Por que todos me abandonaram, inclusive Deus? Você se sente um nada, sem valor, como se fosse um lixo e esse sentimento só aumenta ainda mais a dor. Uma dor da alma, uma dor que se sente até nos ossos, intensa, cortante. Envolto nessa dor, você permanece trancado nesse quarto escuro, sozinho, sem ninguém para te ouvir, para te acolher. Por mais que você tente gritar, parece que ninguém escuta. No fundo, você sente que realmente ninguém ouve, ninguém se importa com você. Essa é a única certeza que parece existir nesse momento. E mesmo quando alguém se aproxima tentando ajudar, você não consegue receber. É só você e a sua dor.
Nessa dor, você se conecta profundamente com toda a sua humanidade. Você se encontra com a sua história, com as marcas que carrega, questiona, pergunta, mas não há respostas — há apenas dor.
É nessa experiência que muitos se calam, outros se revoltam, e alguns gritam. Como Jesus gritou: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Esse grito não é uma negação de fé, é uma manifestação de dor, uma confissão da humanidade levada ao limite. É um grito de quem ainda chama Deus de “meu”, mesmo quando não O sente. É a alma dizendo: “Estou perdida, mas ainda Te procuro”. Esse grito é sagrado, porque é verdadeiro. Ele revela a essência da dor humana unida ao mistério do divino.
A espiritualidade verdadeira não é feita apenas de luzes e certezas. Ela passa pelas trevas, pelos desertos, pelos silêncios. Deus não nos abandona, mas às vezes se esconde. Não porque queira nos punir, mas porque há processos que só se cumprem no silêncio, na ausência, na entrega cega. Como um pai que assiste o filho caminhar sozinho, torcendo por ele em silêncio, sem interferir para que o crescimento seja verdadeiro. Na noite escura, a alma cresce — mesmo sem saber.
É na dor que descobrimos nossa fragilidade e, ao mesmo tempo, nossa força. Porque só quem mergulha no próprio vazio descobre que pode suportar o insuportável. E mesmo sem entender, mesmo sem sentir, permanece. Permanece em pé, mesmo quebrado. Permanece na fé, mesmo sem fé. Permanece amando, mesmo sem sentir o amor. É essa fidelidade na dor que mais se assemelha ao amor de Cristo na cruz: um amor que não desiste, mesmo crucificado.
A experiência do abandono nos transforma. Ela dilacera o que é superficial em nós. Ela quebra as ilusões, derruba os apoios falsos e nos deixa nus diante da nossa essência. E ali, no meio da dor, podemos encontrar algo que não é deste mundo: a paz que não depende das circunstâncias, a luz que não vem de fora, mas brota do fundo da alma, depois que todas as outras luzes se apagaram. É nesse ponto que Deus se revela de um modo novo: não como aquele que nos tira da dor, mas como aquele que passa conosco por ela.
Jesus viveu isso. Ele foi ao fundo do abandono humano para que ninguém mais precisasse ir sozinho até lá. Sua dor foi real, foi total, foi nossa. Quando Ele grita na cruz, grita por todos os que gritam sozinhos no mundo. Seu grito é ecoado em cada hospital, em cada cela, em cada coração ferido que não vê saída. Ele está ali. Não necessariamente para tirar a dor de imediato, mas para estar com a gente dentro dela. E isso muda tudo.
Não há fé mais verdadeira do que a que resiste na ausência. A fé que se mantém quando tudo desaba. A fé que se ajoelha no chão frio do abandono e ainda assim diz: “Seja feita a tua vontade”. Essa fé não é lógica. Ela é mistério. Ela é amor. E ela é divina. Porque quem passa pelo abandono e continua acreditando, já não vive por si mesmo, mas pelo Cristo que vive nele.
Por isso, se hoje você está vivendo sua noite escura, não se desespere. Ela não será eterna. O silêncio de Deus não é desamor, mas amadurecimento. O vazio não é rejeição, é preparação. E o abandono… talvez seja a forma mais profunda de comunhão. Porque quando tudo desaparece, e ainda assim o coração diz “meu Deus”, aí, nesse instante sagrado, você está mais próximo Dele do que nunca.